de Ílhavo a Oeiras passando por Moçambique

um blog de Manuel Machado da Graça, onde se vão publicando textos e gravuras que ele nos deixou, fotos e outras recordações.

Nome:
Localização: Maputo, Mozambique

domingo, janeiro 28, 2007

Desilusão de amor

Da mesma época dos anteriores, aqui vão mais dois sonetos:

DESILUSÃO

Eu vendo qu´é tão doce o nome teu
Cuidei que o fosse tu ´alma também,
Julguei que não amasses mais ninguém,
Cuidei que teu amor fosse só meu.

S´algum amor tiveste, já morreu,
Tal coração c´o meu já nada tem,
Trocaste.me a mim por outro alguém
Mas o amor em mim permaneceu.

Amei-te logo. Uma só vez te via,
Amavas-me também, eu o julgava.
Se te jurasse amor eu não mentia.

Se confessas amor, acreditava.
Mal sabes tu querida o qu´eu sentia
E só eu é que sei quanto te amava.

Braga, 15/9/926



QUE AZAR !

Fui ao cinema. Pagou-me a entrada
Um amigo qu´acaso apareceu.
Pois nessa ocasião não tinha nada
E ir para o cinema apeteceu.

Foi chata a fita, não prestou para nada,
Foi chato o tempo qu´a gente perdeu.
Passou-se a fita, e chateada
Passei a noite até que´uma hora deu.

Eu chego ao quarto e ao olhar para a bota
Fiquei pasmado ao ver qu´estava rôta.
Com linha branca, tinta no tinteiro,

Uma hora inteira gastei para a cozer.
Já chateado da fita que fui ver,
Tive inda que fazer de sapateiro.

Braga 9/10/926

domingo, janeiro 21, 2007

António Redondo


ACRÓSTICO

A
ntónio, bom colega e bom amigo
Não desejo deixar de te escrever:
Também te tenho muito que dizer
Ou muito que contar, mas não consigo

Nenhum tempo demais, para a valer
Invocar para mim, sem algum p´rigo
O Deus da correspondência, p´ra contigo
Redondo amigo me corresponder.

Enquanto te escrevo, estou à espera
Da hora de jantar. Estou com fome
Ou avidez, só proprios de fera.

Não posso escrever sequer o nome
De tanta a fome que me dilacera
O estômago e a vida me consome.


Braga, 5/5/926

Poesia

Em Coimbra MMG escreveu uma série de poemas, que recentemente redescobrimos e vamos passar a publicar no blog.
Começamos por um

AUTO-RETRATO

Alto, magro, de corpo bem formado,
Olhos castanhos e de franco olhar,
Beiços grossos e barba a despontar
Nariz um tanto ou quanto arrebitado

Testa alta, cabelo acastanhado,
Que mais parece andar por pentear,
Tem orelha menor que regular,
"Carão moreno, magro e alongado"

Andar altivo e porte donairozo
De pé largo e por isso mal gestozo
Cabeça, quanto ao corpo, regular

Mãos que fazem inveja a um gigante
Um pé que do normal não está distante
Enfim, um todo que fica a matar

Coimbra 2/12/926

terça-feira, janeiro 16, 2007

Telhados


Publicamos hoje um texto escrito e ilustrado (gravuras em madeira) por MMG.


TELHADOS DAS CASAS
por Machado Graça

Coisas há, e factos que, tendo-nos passado despercebidos como banais se nos afiguram em certo momento com uma tal importância, de tal modo se nos prendem ao espírito, que somos obrigados a ceder-lhe uma grande parte do nosso pensar, e nos leva, por vezes, na sua forma e no seu modo de ser, a vermos-lhe algo de interesse e inédito.
A todos acontece descobrir no objecto mais usual uma particularidade, às vezes notória que lhe não havia visto.
Um pouco de atenção e de interesse fez a descoberta.
Poderia citar factos, mas eles são tantos e tão variados que decerto já a todos se tornaram notados.
Ora foi num destes momentos de atenção que adveem - estranho paradoxo - precisamente quando os nossos sentidos alheados de tudo se obrigam a pouco e pouco a atentar no objecto que os olhos fixam, que descobri nos Telhados das Casas coisas que me tinham passado despercebidas.

xXx

Telhados das Casas ! ...
Mas que nos irá dizer dos telhados das casas que nós já não saibamos, dirá quem ler o título desta crónica.
Estou certo, porêm, que do alto de um telhado apreciando muitos telhados e comparando-os - e vale a comparação - aos homens no seu viver, a todos quantos me lêm sugeriam as frases, as ideias e os pensamentos que eu tive quando há dias olhei para eles com olhos de ver.
Senão reparem. Subam comigo e reparem.
Olhem aquele telhado alto, erguendo-se com sobranceria sobre todos os outros, que se agacham em seu derredor
Olhando-o parece-me estar a ver o seu dono, metido num chapéu alto - o chapéu alto que foi de comendadores e que agora os cocheiros regeitam por bota de elástico - falando ao povo, àquilo que ele chamará o seu povo com um certo ar superior.
Este mais perto, relusente na sua capa nova, capa vermelha de cerâmica marselhesa, que parece ter-se escovado a um espelho para uma soiree , taful e vaidoso, senhor do seu nariz - um nariz bem feito, que ele ostenta no seu cimo, cheirando ainda à Fábrica. É um telhado novo, sem a experiência da vida.
Pelo contrário aquele ali ao lado. Tão alquebrado, com uma corcôva nas costas - a empena já empenada com o peso dos anos - que os anos também pesam como qualquer carga - espera resignado seu último momento num sorriso de velho desdentado, mas onde vai muita ironia quando olha o seu vizinho da frente, muito vaidoso no seu fato que ele impõe como novo, mas que na sua cor desbotada mostra bem a sua proveniência. Foi virado e foi com muito suor que lhe tiraram as nódoas de que o tempo o encheu.
Reparem também na covardia dos telhados pequenos, agachados, como que a esconder-se por detraz dos seus vizinhos mais altos que, senhores do seu poder, escorrem para eles toda a porcaria de que a chuva os livra em dia de limpeza e que vendo-os submissos e medrosos, lhes põem os pés no pescoço.
Há-os também - velhos gaiteiros - todos cheios de arrebiques, encobrindo a sua velhice por sob toda a qualidade de enfeites e pinturas. Fechem por um pouco os olhos e verão, como eu vejo, numa sobreposição cinematográfica, aparecer-lhes na frente um velho, de cabelo pintado, e face tratada, ostentando na lapela uma orquídea branca, num papo-sequismo serôdio de quem se enfeita para aventuras amorosas.
Também vejo, e comigo os verá quem quiser vê-los, alguns telhados desleixados e porcos, não curando de por remendos nos buracos que o tempo abriu nas suas gastas farpelas.
Sobranceiro àquele em forma de minarete, vejo um pobrezinho, de manto esburacado e falta de botões, carregado de filhos - pequenos telhadinhos que se lhe agarram às abas do esburacado manto - parece que parou em frente do telhado minarete - todo ancho na sua riquesa, mãos no côvo do colete - como que a pedir-lhe uma esmola, expondo para lhe provocar a piedade, o seu rancho de telhadinhos pequeninos que, rotos e desmantelados, se lhe agarram às abas do seu manto esburacado.
E os mirantes. olhos abertos para tudo, bisbilhotando, como que falando para os mirantes fronteiros, da vida dos outros mirantes mais longe. O soalheiro a que a sua posição os obriga todo o dia torna-os assim. São um produto do meio em que vivem.
Há telhados que ostentam claras-boias - olhos de gigantes a que a miopia ou um ridículo dandismo faz usar monóculo.
Aquele lá ao fundo, magestoso na sua grandesa e forma, ameiado, e a que faltam já algumas ameias, - riso desdentado de caveira, - com buracos que nos mostram o forro, fazem-me lembrar os fidalgos arruinados, que muito senhores das suas ideias, adoram ainda o seu rei e gastam em seu favor os magros cofres.
Há-os identicos a estes na forma, mas ostentando uma capa vermelha de telha marselhesa e com ornatos modernos. São os que se democratisaram, os que transigiram com as ideias do tempo.

xXx

Concordem agora comigo. Igualem, como eu igualei, esse conjunto de tantos telhados, de tantas e tão variadas formas e estados, a um grupo heterogénio de homens, onde, como nos telhados nós vemos os vaidosos, os modestos, aqueles que se apresentam garridamente vestidos, os que usam fatos virados, os covardes, os medrosos, de todas as qualidades, enfim.
Para mais semelhança, ainda, comparei os telhados aos homens politicamente, pois como digo acima os há firmes nas suas ideias - sem querer dizer que os telhados têm ideias, pois que o mais que têm é...telha - e os que transigem com a ideia moderna, que...aderem.
E agora depois de todo este arrasoado, vereis se eu tinha ou não tinha que dizer dos telhados das casas e reparareis que foi extemporânia a vossa admiração ao ler o título desta página.

segunda-feira, janeiro 15, 2007

A pesca do bacalhau

A pesca do bacalhau era a actividade económica dominante naquele período. Aos que nela ganhavam (e, muitas vezes, perdiam) a vida MMG dedicou este conto:

O ÚLTIMO NAVIO

AOS MARINHEIROS DA MINHA TERRA

E ela, imovel ficara-se a olhar o navio que se afastava e de que só se viam as velas brancas que, de tão pequenas pareciam lenços brancos em acênos saudosos de despedida…

Os seus olhos, aqueles seus lindos olhos negros, marejados de lágrimas, com um fulgor estranho, nem um só momento se desviavam daquelas brancas que em breve iriam desaparecer no horizonte.

O sol, como que associado à dor daquela mulher, que via afastar-se o seu bem-amado, o seu noivo querido, quem sabe se para não mais o ver, baixara já no mar e as sombras da noite avosinhavam-se já com rapidez…

Do navio só se percebia agora um ponto negro sobressaindo da coroa vermelha de luz que o sol emite ainda.

Era um quadro belamente triste o daquele findar de dia!

O ceu povoara-se de algumas nuvens escuras que se reflactiam nas mansas águas da barra em tins negros e tristes.

Ao longe, onde o cais acaba, um vulto de mulher, indiferente à ressaca e indiferente à aproximação da noite, segue ainda com a vista a sota do navio até que este desaparece para lá da linha do horizonte.

Só então ela se afasta vagarosamente voltando-se às vezes para olhar o mar, no ponto onde o navio se sumira…

xXx

São passados alguns meses.

Os navios tendo já acabado a safra começam a chegar, trazendo com eles a alegria e o pão aos lares.

Na barra, agora, é grande o alvoroço.

Os navios são esperados no cais pelas famílias dos seus tripulantes que seguem de terra todas as manobras próprias da entrada.

xXx

Dos navios que tinham saído nesse ano para a Terra Nova, só um não chegara ainda.

Os dias passam e com eles passa a esperança peculiar da gente do mar.

Aquela rapariga que no cais assistira com tristeza à saida do navio, via-a eu agora magra e macilenta, cada vez mais triste, todas as tardes, sentada na areia olhando o mar como que a interrogá-lo sobre o destino do seu noivo.

E os dias seguem sem que do navio se saiba qualquer notícia.

xXx

Ora um dia o olhar já cansado daquela pobre rapariga, divisa ao longe um pequeno ponto negro, contrastando com a cor do ceu que nessa tarde se apresentava tão claro.

Ela olha-o atenta e não pode conter um movimento de alegria

Õ seu coração que a não engana diz-lhe que é esse o navio onde vem seu noivo que ela já julgava não tornar a ver.

Do navio que se aproximava rapidamente de terrra, já se distinguem a mastreação e o casco permitindo aos velhos marinheiros que atentamente o observavam conhecer naquele, o único navio que tendo partido nesse ano para os Bancos, ainda não chegara…

O navio demandava a barra. As famílias dos seus tripulantes, despido o luto de que já se haviam revestido, esperavam-no no cais, ansiosas por abraçar os seus que haviam julgado já mortos.

O navio ancora. Os marinheiros desembarcam e são logo rodeados de suas famílias e amigos que os abraçam e os interrogam sobre as causas da demora.

A alegria inunda todos aqueles corações, ainda há bem pouco tempo tão tristes…

A um canto, bem escondidos, dois vultos negros - silhuetas escuras no fundo claro do ceu – matam num longo e apaixonado beijo, as saudades que durante aqueles meses os haviam mortificado tanto…

xXx

Ao outro dia, logo de manhã, em cumprimento da promessa que haviam feito, lá andavam os marinheiros, descalços, de roupa oleada, sueste na mão pedindo esmola pelas ruas da terra, para oferecerem ao Senhor Jesus dos Navegantes que os havia salvo…

Junho de 1927

Machado da Graça

Beira Mar, 15/6/927

domingo, janeiro 07, 2007

Manuel Simões Guerra

Na mesma revista os cenários e figurinos eram de Manuel Simões Guerra, aqui também em caricatura e gravura em madeira de MMG

Manuel Grilo

Uma gravura de MMG com a caricatura do seu amigo Manuel Grilo. Os dois foram autores do texto da revista P´ra Inglês Ver, com música de Guilhermino Ramalheira.

Um Comentário

Recebemos um comentário aos textos que temos vindo a publicar. Nada mais, nada menos que do filho do Director do Beira Mar, naquela época:

Chamo-me João Aníbal Ramalheira, sou de Ílhavo (53 anos) e foi com muito agrado que deparei com um Blog dedicado ao seu pai Manuel Machado da Graça.
O meu pai musicou a revista "P'ra Inglês Ver" escrita pelo seu pai e pelo Dr. Manuel Grilo em 1933.
Mantenho uma página simples com o endereço www.ramalheira.no.sapo.pt onde faço referência a essa revista.
Tomei a liberdade de colocar a foto de seu pai que retirei do seu Blog. Caso não permita, pedia-lhe o favor de me transmitir.
Tenho o guião completo da revista e ainda hoje, por vezes, falo com os descendentes da Tipografia Beira Mar (os filhos de Jaime de Oliveira), sobre o seu pai e as gravuras que ele modelou para a ilustração do Jornal Beira Mar em que era director o meu pai Guilhermino Ramalheira.
Com os melhores cumprimentos e parabéns pelo seu Blog
João Aníbal Ramalheira

Obrigados

Coisas da praia

Publicamos hoje um poema sobre os encontros e desencontros que a praia proporciona.
O leitor deste blog vai-se apercebendo que, sendo poucos os colaboradores do jornal, multiplicavam-se os pseudónimos para que parecessem muitos.

Cá vai:


SCENAS DA PRAIA…

por JUCA

Quatro horas,

Cinco horas,

Já são horas

D’ir p’ró mar;

Ver meninas

Tão ladinas

E rabinas

A brincar.

……………….

……………….

Vale a pena

Vir ao mar

P’ra gosar

Esta scena

Tão batida,

E conhecida:

xXx

Lá ao norte

Uma dama

D’olhos lindos

Linda cara

Já dá sorte

A um rapaz

Que audaz

Lhe declara

Com fervor

Ter-lhe amor

‘Té à morte.

xXx

Mais avante

Uma leitora

Com bastante

Atenção

Lê agora

(Adivinho)

Um livrinho

Amoroso

Que dá gôso

Ao coração

xXx

Aqui mesmo

Junto a mim

‘Stá brincando,

Tudo a esmo,

Um grupinho

De meninas

E meninos

Pequeninos

Semelhando

Um jardim

De flores.

xXx

Vêde agora

Meus leitores

A espaços

Que d’abraços

Que de beijos

Se não dão.

Ninguém cora

Muito embora

Estes beijos

E abraços

Que se dão

Com aprumo

Vão de rumo

Ao coração.

xXx

Dois pombinhos

Unidinhos

Por detraz

Desta barraca

Que é opaca

E deixa ver

Travez d’ela

Que o rapaz

Que é audaz

Pertinaz

Com calôr

Fala ainda

De amor

À sua linda

À sua bela.

xXx

Junto ao mar

Toda a gente

Indif’rente

Vai molhar

Os seus pés.

Raparigas

Das antigas

E modernas

Vão mostrar

De revez

Suas pernas

Ao olhar

Cubiçoso

- Olhar mudo –

Dos rapazes.

xXx

Mas que queres?

“Há mulheres

Que de tudo

São capazes”.