de Ílhavo a Oeiras passando por Moçambique

um blog de Manuel Machado da Graça, onde se vão publicando textos e gravuras que ele nos deixou, fotos e outras recordações.

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Localização: Maputo, Mozambique

segunda-feira, janeiro 15, 2007

A pesca do bacalhau

A pesca do bacalhau era a actividade económica dominante naquele período. Aos que nela ganhavam (e, muitas vezes, perdiam) a vida MMG dedicou este conto:

O ÚLTIMO NAVIO

AOS MARINHEIROS DA MINHA TERRA

E ela, imovel ficara-se a olhar o navio que se afastava e de que só se viam as velas brancas que, de tão pequenas pareciam lenços brancos em acênos saudosos de despedida…

Os seus olhos, aqueles seus lindos olhos negros, marejados de lágrimas, com um fulgor estranho, nem um só momento se desviavam daquelas brancas que em breve iriam desaparecer no horizonte.

O sol, como que associado à dor daquela mulher, que via afastar-se o seu bem-amado, o seu noivo querido, quem sabe se para não mais o ver, baixara já no mar e as sombras da noite avosinhavam-se já com rapidez…

Do navio só se percebia agora um ponto negro sobressaindo da coroa vermelha de luz que o sol emite ainda.

Era um quadro belamente triste o daquele findar de dia!

O ceu povoara-se de algumas nuvens escuras que se reflactiam nas mansas águas da barra em tins negros e tristes.

Ao longe, onde o cais acaba, um vulto de mulher, indiferente à ressaca e indiferente à aproximação da noite, segue ainda com a vista a sota do navio até que este desaparece para lá da linha do horizonte.

Só então ela se afasta vagarosamente voltando-se às vezes para olhar o mar, no ponto onde o navio se sumira…

xXx

São passados alguns meses.

Os navios tendo já acabado a safra começam a chegar, trazendo com eles a alegria e o pão aos lares.

Na barra, agora, é grande o alvoroço.

Os navios são esperados no cais pelas famílias dos seus tripulantes que seguem de terra todas as manobras próprias da entrada.

xXx

Dos navios que tinham saído nesse ano para a Terra Nova, só um não chegara ainda.

Os dias passam e com eles passa a esperança peculiar da gente do mar.

Aquela rapariga que no cais assistira com tristeza à saida do navio, via-a eu agora magra e macilenta, cada vez mais triste, todas as tardes, sentada na areia olhando o mar como que a interrogá-lo sobre o destino do seu noivo.

E os dias seguem sem que do navio se saiba qualquer notícia.

xXx

Ora um dia o olhar já cansado daquela pobre rapariga, divisa ao longe um pequeno ponto negro, contrastando com a cor do ceu que nessa tarde se apresentava tão claro.

Ela olha-o atenta e não pode conter um movimento de alegria

Õ seu coração que a não engana diz-lhe que é esse o navio onde vem seu noivo que ela já julgava não tornar a ver.

Do navio que se aproximava rapidamente de terrra, já se distinguem a mastreação e o casco permitindo aos velhos marinheiros que atentamente o observavam conhecer naquele, o único navio que tendo partido nesse ano para os Bancos, ainda não chegara…

O navio demandava a barra. As famílias dos seus tripulantes, despido o luto de que já se haviam revestido, esperavam-no no cais, ansiosas por abraçar os seus que haviam julgado já mortos.

O navio ancora. Os marinheiros desembarcam e são logo rodeados de suas famílias e amigos que os abraçam e os interrogam sobre as causas da demora.

A alegria inunda todos aqueles corações, ainda há bem pouco tempo tão tristes…

A um canto, bem escondidos, dois vultos negros - silhuetas escuras no fundo claro do ceu – matam num longo e apaixonado beijo, as saudades que durante aqueles meses os haviam mortificado tanto…

xXx

Ao outro dia, logo de manhã, em cumprimento da promessa que haviam feito, lá andavam os marinheiros, descalços, de roupa oleada, sueste na mão pedindo esmola pelas ruas da terra, para oferecerem ao Senhor Jesus dos Navegantes que os havia salvo…

Junho de 1927

Machado da Graça

Beira Mar, 15/6/927