De regresso
DAS RUAS, BECOS E VIELAS DE íLHAVO
COISAS QUE ESQUECERAM E COISAS QUE FALHARAM A G.R.
Nestas minhas despretenciosas notas não pretendo emendar, ou menospresar, nem para isso chegavam as minhas forças, a bela e interessante crónica do sr. G.R. que com o mesmo título foi publicada no número do aniversário deste jornal.
Quero somente anotar algumas coisas que esqueceram e outras que falharam ao seu autor, usando para isso do mesmo estilo descritivo.
xXx
ESPINHEIRO. Esta rua não é uma só rua, pois são duas as ruas que a formam. É uma rua democrática, como lhe chamou G.R., não deixando no entanto de ser a rua aristocrática por excelência, onde
há reis avós, reis tios e reis netos, onde são muitas as rainhas e marquezas.
Tem um Miranda que mira atravez da sua objectiva as caras lindas das nossas tricaninhas.
RUA NOVA, a velha rua do burgo piscatório. Rua sem fim mas com comêço. Foi lá que começou o que mais tarde ficou pronto, o pronto-socorro que a todos há-de socorrer na guerra ao fogo.
RUA DIREITA. Nesta rua, direita por nome e torta no seu formato, ninguém anda direito, talvez que embriagado pela presença dos balseiros.
É uma rua onde tocam gaitas com alegria, apesar da Senhora do Pranto que em si encerra, onde há um convento sem freiras, deusas sem igreja, rigueiras sem água e figueiras sem figos.
BECO DA CADEIA. Onde existiu a mesma, mas onde se não prende nem perde ninguém; beco parafuso sem fim pois que o não tem. Entra-se por um lado, sai-se por outro, até se deixarem de ouvir as harmonias doces duma música já velha mas sempre harmoniosa.
LAGOA, uma rua comprida, com poucas e espacejadas casas mas onde todos são vizinhos. É na Lagoa que os Reis Magos da Coitada, exaustos, coitados, da caminhada pelo Bom Sucesso, desempenham anualmente com sucesso as scenas bíblicas da Adoração.
CASAL. Rua solitária, rua extra-muros, a meia légua da Légua.
Tem cuidado, ó caminhante, não faças barulho quando por lá passares, para que não perturbes o arrulhar de um terno casal de rôlos emigrantes.
RUA DE CAMÕES. Pode orgulhar-se o nosso grande épico de ver o seu nome ligado à mais linda artéria da nossa vila.
Quereis um quadro mais lindo do que o que nos oferece esta rua?
Fechai por um pouco os olhos e vêde comigo.
No primeiro plano um macisso de de belos carvalhos, louros e oliveiras, sob cujas ramalheiras crescem de quando a quando alguns viçosos craveiros.
Ao longe divisa-se a silhueta dum convento com a sua bela e fresca capela, onde os frades, à hora das trindades, enquanto os grilos cantam, resam ao S.Sacramento as suas orações da tarde.
Ílhavo, Junho de 928
Certus