de Ílhavo a Oeiras passando por Moçambique

um blog de Manuel Machado da Graça, onde se vão publicando textos e gravuras que ele nos deixou, fotos e outras recordações.

Nome:
Localização: Maputo, Mozambique

sexta-feira, setembro 07, 2007

MAIS UMA GAZETILHA

Ao que parece a "guerra" entre o Beira-Mar e o Ilhavense, por vezes, aquecia bastante:



GAZETILHA…

…Desta lama em que se afundam os moços da nossa terra…

(Do aniversário d’ “O Ilhavense”)

Do canudo o aniversário,

Que tanta beleza encerra;

Dum modo extraordinário

Põe em estado precário

Os moços da nossa terra.

Os moços enlameados

Num coro que faz chorar,

Vão mandar uns assinados

Em termos acrisolados:

Zé Teles vem-nos limpar.

Ó velhinhos da cabana

De feitos tão afamados

Há uma voz que clama:

- Tirai os moços da lama

Que já estão quási atolados.

Assim manda a natureza

(Vê s’isto já te convence)

Tira-nos esta tristeza

Pois p’ra questões de limpeza

Serve bem “O Ilhavense”.

UM MOÇO

P.S. a sério

Clama, José P’reira clama

Faz-te nosso pioneiro

Mas vê que, segundo a Fama,

Se nós estamos na lama,

Tu estás no atoleiro.

Beira-Mar, 2/12/928

quinta-feira, setembro 06, 2007

BOMBEIRO


Até onde sabemos MMG foi, entre tantas outras coisas, bombeiro (voluntário, é bem de ver).
Daí talvez a ideia para esta gravura de homenagem à corporação, publicada no Beira-Mar.

quarta-feira, agosto 29, 2007

Esboços

Alguns esboços realizados por MMG. Pelo menos um deles parece ter sido a base para uma gravura que aqui publicaremos brevemente.

Senhora das Dores

Continuando a publicar os textos que MMG nos deixou aqui vão uns versos em que fazia uma "reportagem" bem humorada da Senhora das Dores:


SENHORA DAS DORES

Piadas sem piada e que não ofendem.

A tarde ia em meio. O sol queimava;

E da estrada,

Tanta nuvem de pó se levantava,

Que se não via nada.

A tarde era calmosa e estival,

E nem a brisa

Em nós se faz sentir. Por nosso mal,

Tivemos d’ir em mangas de camisa.

xxx

Emfim cheguei. A quinta ‘stá animada

E já grupos se veem a manjar

A merenda frugal, mas bem regada

Qu’em casa prepararam p’ra levar

Há menino, por lá, que resolvido

Vai a provar de todos os farneis.

Assim, dum deles, furta algum cosido

E a outro vai roubar alguns pasteis.

A mim também me deu a maluqueira

(Não quero que digam que de mim não falo)

De andar mais outro um’hora quasi inteira

À procura de um galo.

Quando demos c’o grupo possuidor

De tão belo manjar,

Nem um ôsso do galo tentador

Havia p’ra tragar.

Não sei porque razão e porque fado

O Amadeu, esse rapaz tão belo,

Se achou na festa tão apoquentado

C’uma pertinaz dôr de cotovelo.

O Landrú quando veio lá de Aveiro,

(E eu digo isto, por não ser segredo)

Por nada existir já do merendeiro,

Pôz-se a chuchar no dêdo.

O Grilo conta histórias com piada.

A Frasquita e a Mi desejam ter

As bolsas e a carteira recheada

De dinheiro a valer.

Não sei s’acham bonita ou engraçada

S’acham mesmo alguma piadinha

À frase da Mimi, tão costumada:

Riam-se. Ora vêjam! Que gracinha!

XXX

Eu sinto agora tal melancolia,

E sinto mesmo uma tristeza infinda

Ao pensar que p’ra vir tão belo dia

Eu tenho de esperar um ano ainda.

FORASTEIRO

Beira-Mar, 24/4/927

sábado, agosto 25, 2007

SONETOS

Da mesma série dos sonetos já publicados aqui vão mais 3. Datados de Braga e de Coimbra.
O primeiro é a despedida do quarto onde viveu em Coimbra no seu ano de caloiro.

A DESPEDIDA

É ser ingrato, talvez, deixar-te agora

Quando já estava tão habituado

Mas tem de ser, amigo. É o meu fado,

Que m´ obriga a sair daqui p´ra fora.

Adeus ó quarto. Adeus que vou-me embora.

Vou deixar-te sozinho, abandonado,

Talvez que alegre, e talvez torturado

A pensar no futuro a toda a hora.

Passei aqui um ano ou quasi um ano,

Sonhando à noite belos sonhos d´ oiro.

Passei o tempo bem sem algum dano.

Não te desejo, ó quarto, um mau agoiro

Pois não era decerto muito humano

Desejá-lo ao meu quarto de caloiro.

Coimbra 1/7/927

O MESTRE

O mestre é o papão negro dos rapazes

Que passam sua vida a estudar,

E é porque não são disso capazes,

Senão depressa os punham a cavar.

Contra ele são os ditos mais mordazes

Que se possam no Lexicon achar,

São uns entes tão diferentes que as pazes

Entre eles, nunca mais se podem dar.

Parece verem o mestre contente

Quando algum se está esticando

Tendo da cólica, a dor mais pungente.

Por isso ouvi dizer, já não sei quando:

Acabem-se c´os mestres de repente,

Pois são no mundo, o crime mais nefando.

Braga, 6/7/926

O EXAME

Hav´rá coisa mais chata que o exame

P´ra quem não sabe dele patavina?

Que não estudou nenhuma disciplina

Ou outra coisa qu´assim também se chama?

Não. Não há coisa que menos se grame

E que aos cábulas seja tão mofina,

Do que essa tão reles sabatina

À qual o burro douto chama exame.

É no seu tempo qu´a cólica aperta

Fazendo-nos andar de diarreia,

Por parecer-nos ter a gata certa.

A gata, essa bichana qu´é tão feia

E contra a qual é preciso andar alerta

Pois é o que mais o cábula receia.

Braga, 24/7/1926

1o. de Maio

45 anos depois dos acontecimentos do 1o. de Maio em Chicago o Beira-Mar publicou uma Homenagem aos martires daquela data. O texto era ilustrado por esta gravura em madeira de MMG sobre um desenho de Manuel Simões Guerra.

COIMBRA

Depois de um longo interregno aqui voltamos para recomeçar a publicação do que MMG nos deixou.
Hoje vão uns versos sobre Coimbra, cidade que muito o marcou. Foram feitos em 1954, para qualquer acontecimento da Associação dos Antigos Estudantes de Coimbra, em Lourenço Marques, mas referem-se a lugares e pessoas dos seus tempos de estudante e, portanto, não parece descabido colocá-los aqui.

COIMBRA

Coimbra, terra jardim,

Nas tuas ruas se encobre

A sombra de António Nobre,

A sombra de Bernardim.

Coimbra do Pad´Zé!

Coimbra do Carminé!

Coimbra! Foram tão pródigos

Os Deuses para contigo!

Coimbra de D.Dinis

Com seus cantares de amigo;

Do “Pirata Joaquim”

Com os seus famosos “códigos”,

E do “Osso” e do “Dim-Dim”...

Que figuras tão gentis

Criadas p´ra teu adorno!

Que saudade tão amarga

Eu sinto no coração

Do Roxo, da Rua Larga,

Do Bento, da São João,

E da célebre pensão

“Marquinhas do Leite Morno”.

Ai Coimbra dos Choupais,

Dos Choupais das serenatas

E de muita coisa mais

Que não digo e se adivinha

E findavam em festatas

Duma beleza profunda,

Afogadas na pinguinha

Da tasca da “Cova Funda”

Do famoso “Carequinha”.

Coimbra da boa gente,

Com tão belo coração,

Desde o Favas ao Paixão,

Que de forma comovente

Nos livravam dos apuros

Com tão “pequeninos” juros.

Coimbra da simpatia

Do Neves da Livraria

Que com mil salamaleques

Conosco a todo o momento,

Trocava os vales e cheques

Com lucros de dois por cento.

Coimbra, terra poeta,

Coimbra do “Caganeta”

Que a gente agora recorda

Dedilhando a sua trova

Nos instrumentos de corda

Do sino grande e sineta

Do carrilhão da Sé Nova.

Coimbra do “Calmeirão”

Que marcava as contradanças

Nas “fogueiras” e festanças

Da noite de São João,

Com um jeito tão notório,

Com maneiras tão “gentis”

A frases tão “subtis”

Do seu vasto reportório.

Coimbra a bela cidade

De paisagens tão bucólicas

Que tantas vezes cantámos.

Coimbra, terra das cólicas

Nos “actos” da Faculdade,

Onde o “Abólio”, o bedel,

Com um sorriso de mel

Dizia que reprovámos.

Coimbra, cidade –prenda

Dentro em teu seio, ao abrigo

Da velha Univercidade

Quem há que te não entenda?

Coimbra, terra de lenda,

Nós ´stamos hoje contigo

Em espírito, em saudade.

Lourenço Marques, Maio de 1954

domingo, fevereiro 11, 2007

Mens Sana

Mais uma gravcura em madeira de MMG. Desta vez com base num desenho de Manuel Guerra

domingo, janeiro 28, 2007

Desilusão de amor

Da mesma época dos anteriores, aqui vão mais dois sonetos:

DESILUSÃO

Eu vendo qu´é tão doce o nome teu
Cuidei que o fosse tu ´alma também,
Julguei que não amasses mais ninguém,
Cuidei que teu amor fosse só meu.

S´algum amor tiveste, já morreu,
Tal coração c´o meu já nada tem,
Trocaste.me a mim por outro alguém
Mas o amor em mim permaneceu.

Amei-te logo. Uma só vez te via,
Amavas-me também, eu o julgava.
Se te jurasse amor eu não mentia.

Se confessas amor, acreditava.
Mal sabes tu querida o qu´eu sentia
E só eu é que sei quanto te amava.

Braga, 15/9/926



QUE AZAR !

Fui ao cinema. Pagou-me a entrada
Um amigo qu´acaso apareceu.
Pois nessa ocasião não tinha nada
E ir para o cinema apeteceu.

Foi chata a fita, não prestou para nada,
Foi chato o tempo qu´a gente perdeu.
Passou-se a fita, e chateada
Passei a noite até que´uma hora deu.

Eu chego ao quarto e ao olhar para a bota
Fiquei pasmado ao ver qu´estava rôta.
Com linha branca, tinta no tinteiro,

Uma hora inteira gastei para a cozer.
Já chateado da fita que fui ver,
Tive inda que fazer de sapateiro.

Braga 9/10/926

domingo, janeiro 21, 2007

António Redondo


ACRÓSTICO

A
ntónio, bom colega e bom amigo
Não desejo deixar de te escrever:
Também te tenho muito que dizer
Ou muito que contar, mas não consigo

Nenhum tempo demais, para a valer
Invocar para mim, sem algum p´rigo
O Deus da correspondência, p´ra contigo
Redondo amigo me corresponder.

Enquanto te escrevo, estou à espera
Da hora de jantar. Estou com fome
Ou avidez, só proprios de fera.

Não posso escrever sequer o nome
De tanta a fome que me dilacera
O estômago e a vida me consome.


Braga, 5/5/926