de Ílhavo a Oeiras passando por Moçambique

um blog de Manuel Machado da Graça, onde se vão publicando textos e gravuras que ele nos deixou, fotos e outras recordações.

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Localização: Maputo, Mozambique

quinta-feira, junho 15, 2006

Monografia do "Alcina"

COSTA-NOVA:

MONOGRAFIA DO “ALCINA”

Apontamentos para a sua história

Factos inéditos, heroicidades e o mais que se verá,

que um nosso solícito investigador colheu na

Torre do Tombo.

PREAMBULO

Prevendo desde já alguns sorrisos incrédulos na maior parte dos meus leitores, cumpre-me indicar-lhes para que possam certificar-se, alguns dos manuscritos e apontamentos que consultei existentes na Torre do Tombo em Lisboa.

São eles: De res navallis portucalensis (1234 P.C.)

De bello iberico

Per Atlanticos, etc, etc…

Destes manuscritos colhi eu alguns apontamentos acerca do velho cruzador “Alcina”que, por me parecerem interessantes, dou hoje à luz da publicidade, pedindo desculpa ao proprietário do cruzador em questão, se acaso ofendo a sua modéstia.

C.

I

Foi na tomada de Lisboa aos mouros que pela primeira vez se se fala no “Alcina”, embora a sua origem seja considerada lendária, pois ainda não me foi possivel encontrar documentos autorizados que me indiquem a sua verdadeira idade, origem e nacionalidade.

O primeiro documento que nos fala dele é o De res navallis portucalensis e para que não perca a sua característica linguistica, transcrevo do original alguns períodos mais importantes:

“…Ante a ennorme armada de Cruzados q. a Lixboa vieron, vyron as gentes da hoste de Affonsus Enriques hua gran nau nomeada Älcina”q. fez nas mauras gentes gran temor…”

É curioso notar que já naquele tempo era temido de todos o “Alcina” pelo seu tamanho e formato e “pella ligeyreza q. havia no andar”.

Segundo nos conta o mesmo manuscrito a influência do “Alcina” na tomada de Lisboa foi enorme, pois só com o susto morreram muitos dos mouros que guarneciam a praça de Lisboa.

D. Afonso Henriques maravilhado pela beleza, leveza e ligeireza do crusador entrou em nogociações com o comandante da Crusada para a sua compra, conseguindo-o, apoz grande trabalho e “gran soma de dinheiros e coysas de guerrra e comer, q. en troca foron dados”.

Mandou-lhe D. Afonso armas em cima um cortinado de damasco vermelho, tendo para isso mandado fazer uns buracos na borda, buracos estes que ainda hoje se podem ver e que agora servem de suporte às forquetas dos rêmos, e que o seu actual dono conservou no estado em que os encontrou, para que não perdessem o gosto arcaico.

Depois da tomada de Lisboa ficou o “Alcina” ancorado no Tejo, servindo para D. Afonso passear nele nas horas de descanço que lhe deixavam as batalhas em que andava empenhado.

É do teor seguinte a parte que a este facto se refere o De bello iberico, manuscrito do tempo de D. Sancho primeiro:

“Don Afonsus avia costume dir a Sintra e Cascays quando non curava de andar em guerra cõ os sarracenos, indo no “Alcina” em q. mandara armar hum docel sob o qual se abrigava dos rayos e calores do Sol alto, q. en aquesta region era mui forte…”

Continuou o “Alcina” neste serviço até que D.Afonso III, o Bolonhez, se utilizou dele para trazer a Portugal sua esposa a princeza de Bolonha.

Se eu não temesse enfastear os meus leitores transcrevia do De res navallis portucalensis e descrição da viagem que teve incidentes curiosos. Não resisto, porem, a citar-lhes um desses muitos incidentes, para mostrar do que eram capazes os franceses do tempo, que, parece, não viam com bons olhos o casamento da sua princesa com o rei português.

Froi o caso que na volta, quando trazia já para Portugal a princesa e sua corte, notaram os marinheiros admirados que o “Alcina” apesar da sua conhecida e cubiçada velocidade, não conseguia acompanhar os outros bateis, tendo chegado a Lisboa com uma semana de atraso.

Só mais tarde quando lhe fizeram uma vistoria, notaram com espanto que lhe haviam pregado no fundo meia duzia de esteiras, que foram guardadas como recordação numa sala própria do paço real e que nos nossos dias tiveram um tão preponderante papel, como os leitores verão no prosseguimento desta “Monografia”.

Por carta régia de D.Diniz ficou o “Alcina” pertencendo ao serviço da corte:

“para q. el Rey e Rainha e todolos principes e principais do Reygno nelle podessem passeyar pelo rio q. chamão Tejo e pellos seus ribeiros. Mais mandou el-Rey e eu o escrevo q. seja nomeado hum dos filhos d’algo q. na Corte tem assento para q. o guardasse e aparelhasse o dito “Alcina” para q. el-Rey o achasse prompto quando passeyar Lhe aprouvesse”.

Não nos dizem as crónicas mas fácil será adivinhar que D.Isabel, esposa de D.Diniz, nele foi muitas vezes às vizinhanças de Lisboa distribuir as suas costumadas esmolas.

Para as guardar mandara cobrir parte da ré e aí as colocara para as esconder de seu régio esposo.

Era por este tempo o “Alcina” pintado a azul e branco, com as armas reais pintadas do chamado guarda-patrão.

Na proa, pintadas a ouro, viam-se duas sereias, como que levantando o crusador para lhe aumentar a velocidade.

II

Quando D. Pedro I se enamorou de D. Inês de Castro e para que com ela pudesse falar, mandou que levassem o “Alcina” para Coimbra e era nele que D. Pedro atravessava o Mondego para Santa-Clara.

Assim o diz a crónica:

“Don Petrus, primeyro no nome, Filho q. he de Don Afonsus IV, por Graça de Deos, nosso Rei e senhor, manda q. seja levado para a villa de Coimbra, pello mondego arriba, a nau q. chamão alcina e q. ao sserviço da Corte se conserva, para q. Elle possa hir nelle a Santa-clara fallar d’amor a Dona Ignes q. Lhe ha roubado o coraçon”.

No reinado de D. Fernando nada de notavel se passou que seja aproveitavel para esta monografia relampago.

Com as lutas entre Portugal e Castela também o “Alcina” foi esquecido, jazendo a apodrecer no rio Tejo.

D. João II quando estudava a possibilidade da viagem à India lembrou-se de aproveitar o “Alcina” que ele ainda considerava rapido e bonito.

Quando, porem, lhe quiseram fazer algumas transformações que o tamanho e dificuldades da viagem requeriam, ficaram pasmados por encontrar já em adeantado estado de putrefacção a madeira de que o “Alcina”era feito, tendo, por isso de se desistir da comparência do referido crusador na projectada viagem.

Deste momento em deante as informações desaparecem por completo, motivo por que tenho de fazer aqui uma solução de continuidade, passando a fazer a monografia dos nossos tempos que tem factos que, apesar de contemporâneos, não deixam de ser algo interessantes.

Já no último número expliquei a razão da não continuação da antiga história do “Alcina”.

A causa foi o desaparecimento dos documentos que com todo o cuidado eu colhi na Torre do Tombo em Lisboa.

Como eles desapareceram, não sei. E quem é que sabe como desaparecem as suas coisas?

Sei tanto quem m’os roubou, como a ti Serrana sabe quem lhe roubou os galos e o Pitato quem lhe roubou os polvos.

Em virtude do desaparecimento é com tristeza minha que começo hoje a narrativa dos feitos do “Alcina” na actualidade.

Estava indicado que eu fosse informado pelo actual dono, o sr. Capitão Calixto Ruivo.

S.Exa. recebe-nos amavel e delicadamente no gabinete do seu formoso chalet na Costa Nova e presta-se de boamente a informar-nos.

Em virtude do a vontade em que S.Exa. nos poz atrevemo-nos a fazer-lhe a primeira pergunta:

- Em que ano e como comprou V.Exa. o “Alcina” ?

O sr. Capitão Calixto abre os lábios num sorriso franco, pretexto para mostrar os seus belos dentes e responde-nos:

- Olhe. O barco foi por mim comprado num leilão de velharias históricas há uns bons 30 anos a quando da minha viagem à Ponta Calheta, nas faldas da serra da Estrela.

- Trouxe-o depois para cá, não é verdade?

- Sim trouxe e por tal sinal que quando ia a iça-lo para bordo a roda de proa despegou-se do resto, não porque estivesse podre mas porque a pregagem não estava em termos.

- Decorreu bem a viagem? perguntamos nós.

- Decorreu bem, sem caso de maior, até às alturas do Cabo Pedricosa, 32 graus a NE de Sinfães de Cima. Porem, ao chegarmos ali desencadeou-se uma valentwe trovoada que fez com que o “Alcina” perdesse algumas tábuas que mais tarde foram substituidas por duas chapas de ferro, o que lhe aumentou o peso e consequentemente lhe diminuiu a velocidade.

- Quais as impressões do público à sua chegada? Inquirimos.

- As impressões foram as melhores, enquanto não viram o barco a andar… Porém…

E nesta altura o ti Calixto enguliu em seco duas vezes e leu-se-lhe nos olhos o amargor da triste verdade que ia confessar.

- Porem, quando viram que o o barco mal se movia ao ser timonado por quatro possantes remadores, a decepção foi grande e os manifestantes retiraram em debandada alcunhando de triste, de draga e de muitos outros nomes feios o meu belo “Alcina” que tanto estimava. Desse dia para cá tenho vivido um verdadeiro martírio.

- ?…

- Eu lhe conto. Quando passava em Ílhavo a festa do Senhor Jesus, não me largavam. Uns diziam: “Olhe ti Calixto, o melhor é vendê-lo para lenha”. Outros: “A peso talvez dê dinheiro” e um mais atrevido até me disse: “O melhor é você alugá-lo para ir no andor do Senhor Jesus que é a única maneira de ele andar”.

- Realmente isso arrelia…observamos.

- Arrelia sim; e tanto que o não desejo ao meu pior inimigo.

- Mas não haveria em Ílhavo quem gostasse do “Alcina”?

- Qual história! Calcule que até o Américo Teles teve a ideia de fundar em Ílhavo um Museu…

- Mas que tem o Museu com o seu barco?

- Ora, ora! Decerto não os conhece. Ninguém me tira da cabeça que o Museu se faz unicamente para lá o meterem a apontar às gerações futuras o maior errro em que eu caí, comprando esse maldito barco que parece que só tinha corda para andar no dia em que o comprei.

- Foi então vigarisado, não é verdade?

À face do senhor capitão assoma um rubor que foi todo uma confissão.

Nos olhos do ti Calixto brilhou por momentos um lampejo de ódio mal contido que em breve se dissipou, dando lugar ao seu belo sorriso de satisfação.

- Pelos vistos o “Alcina” só lhe tem dado desgostos e martírios?!…

- É verdade. Olhe que às vezes tenho momentos de tão grande arrelia que a minha vontade era queimar o bote. O que lhe tem valido é aparecerem nessas ocasiões alguns amigos que me consolam e confortam. Já que falei neles não quero deixar de citar um desses amigos, o Chico Calão, que sempre me diz bem do barco depois de ter dado nele um passeio.

- Não será isso dito por troça? Olhe que, segundo diz o “Beira-Mar” o Chico é uma língua de prata… insinuamos nós.

- Não. O Chico é sincero e bom conhecedor. Diz bem do barco porque acha que ele é bom.

- Não será talvez sugestionado por algumas chavenas de bom café?

- Não. Desminta isso no seu jornal. O Chico é incapaz de, perdoe-me a expressão, entrar comigo.

- Tem tido algumas victórias o seu “Alcina”, capitão? Perguntamos nós a fim de desviarmos o curso da conversa.

- Não. O raio do barco não anda. Olhe que da primeira vez que ele correu em regata ficou tanto para traz dos outros que eu para ter uma desculpa lhe preguei no fundo duas esteiras e fiz constar que lhas tinham pregado antes da corrida.

- ?!…

- Não diga isso no jornal, porque se o disser nunca mais me deixam.

- Descanse que eu nada direi.

- Obrigado.

Nesta altura o ti Calixto teve a amabilidade de nos oferecer uma chávena de saboroso café que bebemos com agrado. A conversa continua mas tão rápida que não tivemos tempo de registar.

Já à saida, quando nos despediamos lembrou-nos fazer ao ti Calixto mais uma pergunta…

- Que nos diz da recente falta de estopa?

- Cale-se lá. Não me fale nisso. Só consegui comprar um vagon dela, porisso tenho o bote a meter água por todos os lados. São tão grandes os buracos que até os peixes vão lá dentro fazer… ninho.

Foi esta a última informação. Com ela findámos a entrevista e com ela acabamos a “Monografia do Alcina”.

Beira-Mar 12/8/928

26/8/928

19/9/928

26/9/928

5 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Foi com surpresa que tomei conhecimento do seu Blog.Li-o com interesse ...sei láq ...devoção.

Gostaria que outros fizessem o mesmo esforço .

Eu vou fazendo o que poosso .

wwwlampada.blogspot.com endereça as felicitações .E porque no livro que tenho para sair (Ensaio Monografico -ìlhavo ) tive oportunidade de citar o seu Pai ,gostaria de conhecer o Manuel Machado Graça .Pode ser que tenha essa oportunidade.

Um abraço do «conterrâneo» Senos da Fonseca.

10:22 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

This is very interesting site... » »

6:38 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

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3:21 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Bonjour, manuel-machado-graca.blogspot.com!
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3:17 da manhã  
Blogger Hugo Cálão said...

Foi com gosto q li a sua história do Alcina. Bem haja pela divulgação da nossa memória histórica. Diz-me particularmente pela informação do meu bisavô Chico Cálão. Um abraço

1:23 da tarde  

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